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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Dicionário Gáucho

Quando Saí de Porto Alegre aos 19 anos achava que em todo o mundo, ou pelo menos em todo o Brasil, falávamos do mesmo jeito. Mas, chegando a São Paulo fui surpreendida pelo meu próprio dialeto. Porque quem é gaúcho, ou conhece alguém, ou já teve algum tipo de contato sabe que usamos muitas gírias no nosso dia-a-dia, bem como os baianos, os mineiros, os cariocas e todos os outros estados. Porém, até nos deparar com outra cultura, achamos que falamos todos a mesma língua.

Era só eu abrir a boca para dizer “oi” e já sabiam que eu era gaúcha. Até uma simples pergunta era motivo de embaraço: - Por favor, onde fica a parada do ônibus? A pessoa me encarava como um extraterrestre e respondia: - Parada? Que parada? Eu ainda mais atordoada com a pergunta respondia: - Como assim que parada? Aquele lugar que o ônibus PÁRA pra gente entrar ou descer. Aí, com algumas risadas a pessoa entendia e me respondia: - Ah sim, o ponto do ônibus fica logo ali.

O que para mim parecia uma coisa óbvia e banal, para os outros era uma novidade. A única coisa que saí de casa sabendo é que não podia pedir na minha gíria gaúcha pão. Já pensou eu pedindo um “cacetinho” na padaria? Não ia pegar nada bem! Um dia, no supermercado, ouvi o locutor interno anunciando uma promoção relâmpago: - Muito bem... Vocês não podem deixar de aproveitar: O kilo da mexerica caiu para R$ 0,01. Eu corri atrás do povo para ver o que se tratava e me decepcionei ao ver que a tal mexerica era a simples “bergamota”.

E assim foram com muitas coisas... Desde o brigadeiro que chamamos de “negrinho” até pronomes e verbos que só um gaúcho reconhece. Você acha que estar “atucanado” é normal para todo mundo? “Capaz”! Essa palavra só existe no nosso dicionário.

Aos poucos fui aprendendo a decifrar a gíria deles e já cansada de explicar tudo que eu falava comecei a falar igual ao lugar que estava. A questão é que inverti o problema e todas as vezes que chegava a Porto Alegre falando os meus “vocês” era vítima de piada entre a família: - Essa aí já virou paulista, perdeu as origens. O que eles não entendiam é que eu precisava sentir-me ambientada onde morasse. Não perdi certamente meus costumes, mas aprendi que outra cultura também é importante viver.

Depois de morar em São Paulo muitos anos fui morar em Santa Catarina e lá tudo era mais fácil. Volta e meia me esbarrava na rua com uma “guria” ou “guri” e o meu “tu” era tão normal quanto qualquer outro pronome. A única coisa que não assimilei naquelas bandas era chamar a “sinaleira” de “sinaleiro”, mas precisei aceitar numa boa... Afinal, toda cidade tem suas maluquices... Nós sabemos bem disso!

Há pouco tempo estou morando no Paraná e se vê muitos, mas muitos gaúchos por aqui. Algumas gírias são bem comuns e nos entendem fácil, mas fui surpreendida dia desses quando um guincho estava rebocando o meu carro. Fui falar para o funcionário da empresa que o barulho que ele estava ouvindo era da “surdina” do carro que estava furada. Ele imediatamente caiu na gargalhada e eu tão logo me lembrei que não estava em casa: - Pois é engraçado né! Eu quis dizer que o escapamento está furado. Ele continuava rindo e não acreditou que chamávamos o escapamento de “surdina”. Então, para aproveitar a descontração disse que existia muitas outras palavras que ele acharia engraçado. Ele duvidou, então falei: - Olha só, lá em Porto Alegre se acontece uma batida de carros, você diz que houve uma “pexada”. Ele realmente não acreditava que podia ficar melhor. Despediu-se de mim e do meu carro roxo de tanto rir e eu, mesmo acostumada com isso, não entendendo o porquê de tanta risada.

A verdade, é que mesmo longe por muitos anos da capital, às vezes esqueço que algumas palavras não são de entendimento de todos. Sabe aquela frase que diz que você pode sair de um lugar, mas dificilmente o lugar vai sair de você? É justamente isso... Minhas gírias sempre farão parte da minha vida e dos meus dias. E acho isso maravilhoso... É uma forma de poder me sentir em casa... De carregar os pampas sempre ao meu lado! Os contratempos e os embaraços fazem parte da jornada. Não me preocupo mais tanto em ser entendida... Do mesmo jeito que preciso assimilar a cultura de outro... O outro também pode aprender a minha!

# Este texto foi publicado no portal www.dentrodobairro.com.br.

Bjus... Ótima semana! Um beijo especial a todos os gaúchos que amanhã comemoram a Revolução Farroupilha... A todos que tem orgulho de ter nascido nessa terra maravilhosa, assim como eu!

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